"O
grande chefe de Brasília mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande
chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua
parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na
sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e
tomará a nossa terra. O grande chefe de Brasília pode acreditar no que o chefe
Xingu diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na
mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não
empalidecem.
Como
se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é estranha. Nós
não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então
comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta
terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de
areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os
insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o
nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é
um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra
não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora. Deixa para
trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada
respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância
empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento
para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho
um selvagem que nada compreende.
Não
se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa
ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos.
Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível
para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode
ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio
prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do
vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso
para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar,
animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que
respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se
eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os
animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa
ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados
pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e
não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um
bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria
vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens
morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode
também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra fere também os filhos da
terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados
na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da
derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e
bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos
dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e
nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem
vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os
túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De
uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso
Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono dele da mesma maneira
como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer
bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por ele.
Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também
vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando
a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios
dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens,
quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se
encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as
águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o
fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o
homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmitem a seus filhos nas
longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser
formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do
homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o
nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que
nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos.
Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar
da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo
continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um
recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra,
ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como
era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e
todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a
todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por
ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."
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